Ao analisar o caso do Banco Master, senti uma espécie de sombra antiga se projetar sobre o presente. Não foi técnica, não foi estatística, não foi relatório algum que trouxe essa sensação — foi memória. A memória vívida do que aconteceu com o Banco Santos. E, quanto mais eu lia sobre o Master, mais aquela lembrança insistia em voltar, como se as duas histórias conversassem pelas frestas do tempo.
O colapso do Banco Santos marcou uma geração inteira do mercado financeiro. Eu me lembro claramente do choque que foi ver uma instituição tão celebrada revelar, de repente, que por trás da fachada elegante existiam práticas frágeis, contabilidade questionável e uma teia de operações que ninguém conseguia explicar direito. Aquilo deixou cicatrizes. E deixou lições que, na época, juramos que jamais esqueceríamos.
Mas ao acompanhar o caso do Banco Master, a sensação foi de que algumas lembranças, mesmo as mais dolorosas, às vezes adormecem — e isso é perigoso. O Master não tinha a estética sofisticada do Santos, mas carregava algo igualmente inquietante: taxas acima do mercado, estruturas difíceis de compreender, carteiras de crédito que hoje são investigadas e uma sequência de decisões internas que mais confundiam do que esclareciam. E, de repente, eu me vi pensando: eu já vi esse filme antes.
O paralelo não está no cenário econômico, nem nas regulações — afinal, de 2004 para cá, o Brasil amadureceu profundamente em supervisão e governança. O paralelo está no padrão. Está na forma como certas instituições, mesmo em tempos de controle mais rígido, constroem narrativas que seduzem, criam produtos que impressionam, oferecem rentabilidades que deslumbram e, com isso, fazem com que investidores institucionais — inclusive RPPS — baixem a guarda.
Nos dois casos, a ruptura veio de dentro. No Banco Santos, a gestão empurrou problemas para frente até que eles transbordaram. No Banco Master, as investigações apontam para problemas graves nas carteiras, inconsistências na qualidade dos ativos e decisões internas que minaram a confiança antes que os números começassem a desmoronar. Em ambos, a tragédia final não foi apenas financeira: foi institucional, foi moral, foi previdenciária.
E é aí que a lembrança aperta. Porque quando um RPPS se vê exposto a esse tipo de risco, não estamos falando de investidores buscando retorno extraordinário por conta própria. Estamos falando de servidores. De aposentadorias. De vidas inteiras organizadas em torno da promessa de que aquele recurso estará lá no futuro. Por isso, quando eu vejo a repetição dessas histórias, o peso é diferente. É humano. É social. É ético.
A verdade é que o mercado financeiro adora reinventar riscos antigos com nomes novos. O pacote muda, o discurso muda, mas a essência continua a mesma: estruturas opacas, assimetria de informação e rentabilidades que desafiam a lógica. E, enquanto houver quem se encante com isso — ou quem se sinta pressionado a acompanhar “o mercado” — novos Bancos Santos e novos Bancos Master continuarão surgindo.
Por isso, quando digo que o caso do Banco Master me fez lembrar o Banco Santos, não é nostalgia, nem alarmismo. É um chamado de atenção. É a memória dizendo: cuidado, já vimos isso antes — e sabemos como termina. Para os RPPS, para os gestores públicos e para qualquer investidor que carrega vidas nas mãos, essa lembrança não pode ser descartada. Ela precisa ser cultivada, porque prudência não nasce do medo, mas da consciência.
A história não se repete exatamente — mas ela rima. E, quando a rima é tão forte, tão clara e tão desconfortável quanto essa, ignorá-la não é apenas ingênuo. É irresponsável.

