RPPS

PEC 66/2023 e os RPPS: avanço real ou alívio temporário?

Entenda, de forma clara e prática, como este tema impacta a gestão eficiente do seu RPPS.

A PEC 66/2023 propõe reformas profundas nos RPPS e nas finanças municipais. Entenda seus impactos, avanços e riscos de ser apenas mais uma medida de alívio temporário.
Balança de latão com moedas e papéis sobre mesa de madeira ao lado de gráficos financeiros e caneta, simbolizando equilíbrio previdenciário e controle de gastos públicos.

A crise fiscal enfrentada por milhares de municípios brasileiros não é novidade. Nos últimos anos, agravada pela queda nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), pelo aumento de gastos obrigatórios — como pisos salariais e a crescente demanda por saúde — e pela estagnação econômica, essa crise tornou-se sistêmica. Segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), 51% dos municípios brasileiros já operam em situação de insolvência. A PEC 66/2023 nasce exatamente nesse contexto, como uma tentativa de reorganizar as contas públicas locais e evitar o colapso da capacidade de prestação de serviços essenciais.

Mas se o problema é amplo, os Regimes Próprios de Previdência estão no centro da tormenta. Ao longo das últimas décadas, muitos municípios criaram seus regimes próprios sem estrutura técnica, atuarial ou administrativa adequada. A lógica da criação de um RPPS se baseava, muitas vezes, no desejo de autonomia previdenciária ou mesmo na ilusão de que ele traria economia para os cofres públicos. No entanto, a falta de políticas de capitalização, a concessão de benefícios mais vantajosos que os do Regime Geral e a ausência de controles sólidos colocaram esses regimes em trajetória de desequilíbrio.

O cenário se agravou quando, mesmo após a Reforma da Previdência de 2019, boa parte dos municípios não implementou as mudanças locais correspondentes. Com regras mais brandas que as da União e uma população funcional envelhecida, os RPPS passaram a operar com déficits atuariais cada vez maiores, exigindo aportes contínuos dos cofres municipais. Soma-se a isso a dificuldade de obtenção do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP), a judicialização de aportes e a interpretação equivocada de tributos como o PASEP sobre receitas previdenciárias, e temos o retrato do caos silencioso que afeta a maioria dos RPPS hoje.

É nesse ponto que a PEC 66/2023 propõe uma ruptura com o modelo que levou os regimes próprios à exaustão. O primeiro e mais significativo pilar da proposta é a obrigatoriedade de os RPPS adotarem as mesmas regras de benefícios aplicáveis à União, incluindo critérios de elegibilidade, forma de cálculo, pensões e acúmulos. Apenas os municípios que adotarem regras mais rigorosas, com o devido embasamento atuarial, poderão se desviar dessa padronização. A intenção é clara: uniformizar os parâmetros para garantir maior previsibilidade, reduzir desigualdades e, acima de tudo, cortar o avanço do passivo atuarial. A CNM estima que essa medida, sozinha, pode reduzir em até 45% os déficits dos RPPS municipais, o que representa mais de R$ 300 bilhões em alívio financeiro ao longo do tempo.

Para viabilizar essa transição, a PEC oferece um prazo de 180 dias para que os municípios promovam os ajustes legais em suas legislações, com avaliação direta do Ministério da Previdência. A medida vem acompanhada da criação de um Programa de Regularidade Previdenciária, que será exigência para adesão a parcelamentos de dívidas com os regimes próprios. Esse programa deverá garantir não apenas a legalidade formal das reformas, mas também sua efetividade na busca pelo equilíbrio financeiro e atuarial.

Outro aspecto relevante da proposta é o novo modelo de parcelamento de débitos. Os municípios poderão renegociar dívidas vencidas até 31 de março de 2024 em até 240 parcelas mensais, limitadas a 1% da receita corrente líquida (RCL). Se restar saldo ao final, ele poderá ser parcelado novamente em até 60 vezes. Além da extensão do prazo, há uma significativa redução de encargos, como juros e multas. Mas esse alívio vem com contrapartida: quem não implementar as reformas exigidas até 31 de dezembro de 2025 terá o parcelamento suspenso e não poderá renegociar novamente. A lógica aqui é clara — só haverá benefício se houver compromisso com a sustentabilidade.

A PEC também resolve um dos pontos mais sensíveis da gestão dos RPPS: a insegurança jurídica em relação aos aportes de bens e receitas futuras. O texto deixa explícito que é possível utilizar ativos diversos — como créditos tributários, receitas a receber e direitos sobre bens — para cobrir déficits dos regimes próprios, desde que respeitados os critérios definidos pelo Ministério da Previdência. Essa mudança elimina a margem para judicialização e amplia as alternativas dos gestores para equacionar passivos sem recorrer apenas ao aumento de alíquotas ou aportes diretos.

No campo tributário, outro avanço importante é a exclusão das receitas dos RPPS da base de cálculo do PIS/PASEP. A cobrança indevida desses tributos sobre contribuições previdenciárias e rendimentos financeiros vinha impactando diretamente os fundos dos regimes próprios, drenando recursos destinados ao pagamento de aposentadorias e pensões. Com a mudança, estima-se uma economia de quase R$ 700 milhões anuais para os municípios.

Além disso, a proposta prevê a redução progressiva da alíquota patronal paga ao RGPS, dos atuais 22% para 14% até 2027, igualando-a à alíquota básica dos RPPS. Essa medida atende ao princípio da isonomia contributiva, já que diversos setores da economia — como o agronegócio, as entidades filantrópicas e o Simples Nacional — já usufruem de alíquotas diferenciadas. Para os municípios, o impacto será direto: menos comprometimento com encargos sobre a folha e mais recursos disponíveis para os serviços essenciais.

No tocante aos precatórios, a PEC adota uma abordagem mais realista ao propor limites proporcionais à capacidade financeira dos municípios. Dependendo do estoque da dívida, os pagamentos anuais poderão variar de 1% a 4% da RCL. A proposta ainda prevê parcelamento em até 240 meses a partir de 2030 e mecanismos de conciliação com deságio para pagamentos em até 30 dias. A intenção é evitar o colapso das contas públicas sem descumprir obrigações judiciais, embora haja o risco de postergação excessiva de pagamentos se não houver controle efetivo.

O texto também inclui medidas compensatórias para a União, como o Programa de Revisão de Benefícios por Incapacidade no INSS, a revisão da isenção de IR para aposentados por doenças graves e o aprimoramento do processo de compensação previdenciária (COMPREV). A estimativa é de que essas medidas gerem ganhos fiscais superiores a R$ 60 bilhões nos próximos três anos, o que compensa, com sobra, o custo tributário da desoneração proposta para os municípios.

Diante de tudo isso, é justo perguntar: a PEC 66/2023 resolve de fato a crise dos RPPS ou apenas empurra o problema para mais adiante? A resposta, com a devida cautela, é que a PEC representa um avanço real — mas não é a solução definitiva. Ela oferece instrumentos eficazes, corrige distorções históricas e estabelece um novo marco legal para a previdência municipal. Mas o sucesso dependerá da vontade política local de implementar reformas, da capacidade técnica dos municípios em ajustar seus regimes, e da atuação firme do Ministério da Previdência em fiscalizar e apoiar esse processo. Se tratada como mais uma oportunidade de postergação, a PEC será apenas mais um capítulo no ciclo de inadimplência e desequilíbrio. Mas se compreendida como um chamado à responsabilidade, pode ser o início de uma nova fase de sustentabilidade e confiança na gestão dos RPPS. A crise não foi criada da noite para o dia, e também não será resolvida com um único texto constitucional. Mas a PEC 66/2023, se encarada com seriedade, oferece uma rara oportunidade: transformar o que hoje é uma ameaça fiscal em uma base sólida para a previdência do futuro.

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"Conhecimento é poder”, dizia Francis Bacon — e continua sendo. Para evoluir, é preciso aprender, questionar e aplicar. Só o conhecimento transforma intenção em ação, dúvida em clareza, e esforço em resultado. Quem busca crescer, precisa primeiro entender. E entender exige estudo, curiosidade e coragem para sair do lugar.

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Manoel Junior

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