Imagine um barco que, ao longo dos anos, acumulou mais peso do que pode suportar. Ele ainda navega, mas cada vez com mais esforço, consumindo mais recursos e colocando em risco todos a bordo. O RPPS, quando enfrenta um déficit atuarial, funciona da mesma forma. Se nada for feito, chega o momento em que ele não consegue mais se sustentar. A segregação de massas surge como uma bússola que aponta o caminho para um equilíbrio financeiro mais sólido. Mas será que essa estratégia, tão amplamente utilizada, é realmente a solução ideal?
Separar segurados e beneficiários em diferentes grupos, com regras e fontes de financiamento distintas, pode parecer a decisão mais lógica para equalizar as contas do regime. A ideia é simples: criar uma divisão entre aqueles que fazem parte de um sistema sustentável e aqueles cujo passivo precisa ser tratado de forma específica. Dessa forma, a gestão previdenciária se torna mais transparente, evitando que o problema do déficit se propague para as novas gerações. Mas a grande pergunta é: essa separação resolve ou apenas posterga o problema?
Para que a segregação funcione, é preciso um estudo atuarial profundo, que determine com precisão quem fica em cada massa e como o financiamento ocorrerá. Normalmente, os servidores mais antigos permanecem na massa deficitária, pois suas contribuições foram feitas sob regras diferentes. Já os novos ingressantes são direcionados para a massa capitalizada, com um modelo financeiro mais equilibrado, onde as contribuições individuais e patronais garantem a sustentabilidade.
A grande vantagem desse modelo é a possibilidade de tratar o déficit atuarial com ações concretas. O ente público pode adotar estratégias específicas para cobrir o passivo, como aportes escalonados, receitas extraordinárias ou a busca por compensação previdenciária. Além disso, a nova massa passa a operar dentro de parâmetros bem definidos, evitando que novas lacunas financeiras surjam. É uma promessa de futuro seguro e previsível para aqueles que ainda têm um longo caminho pela frente.
Mas, como qualquer estratégia, a segregação de massas traz desafios que não podem ser ignorados. O primeiro deles é uma realidade inescapável: o déficit não desaparece. Ele apenas é isolado, exigindo um compromisso financeiro do ente público. Isso significa que, sem um planejamento fiscal sólido e ações concretas, o problema pode continuar pesando nas contas públicas, gerando riscos para toda a estrutura previdenciária.
Além disso, a complexidade dessa estratégia não está apenas nos números, mas nas consequências. Gerir duas massas separadas significa lidar com regras distintas, controles mais rígidos e um acompanhamento constante para evitar novos desequilíbrios. E há um ponto ainda mais delicado: a questão jurídica e política. Mudanças estruturais sempre geram questionamentos, e a segregação pode trazer conflitos sobre isonomia entre servidores, gerando insegurança e resistência entre aqueles que são diretamente impactados.
Agora, imagine que você tem duas caixas d’água: uma nova e outra antiga, que começou a vazar. A segregação de massas garante que a caixa nova continue funcionando sem desperdícios, mas não pode ignorar que a antiga ainda precisa de reparos. Sem um plano de ação bem estruturado, a água perdida continuará drenando recursos. Da mesma forma, sem um planejamento concreto para cobrir o déficit atuarial da massa antiga, a segregação não será suficiente para garantir a sustentabilidade no longo prazo.
A segregação de massas não é um milagre, mas pode ser uma ferramenta poderosa, desde que acompanhada de um compromisso real com sua execução. Mais do que dividir responsabilidades, é essencial que o ente público esteja preparado para honrar seus compromissos e garantir um futuro previdenciário estável. O desafio não é apenas organizar as contas, mas garantir que o barco continue navegando com segurança para todos.
Excelente explanação da matéria… Parabéns.
Obrigado Sergio.
Caso tenha algum assunto que deseje ver em um arquivo pode sugerir.